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Literatura e Pandemia

    Literatura Portuguesa                     10.º ano                                   PIL


Já falámos da
Quimera e do herói mitológico Eneias, a propósito do tema da peste.

Já espreitámos a descrição realista e simultaneamente simbólica que desta doença nos foi dada por Camus nos anos 40 do século XX.

Viajamos, agora, para duas épocas: a clássica, recuando ao ano de 1665 e relembrando as 70 mil vítimas da epidemia de peste bubónica em Londres e a contemporânea, através de uma situação ficcional idealizada por Saramago no século XX, imaginando que toda a gente, de repente, ficava cega.

A Grande Peste de Londres foi a última epidemia de peste bubónica em Inglaterra, e durou dezoito meses entre 1665 e1666. Vitimou um quinto da população de Londres na época. A doença foi causada pela bactéria Yersinia pestis, geralmente transmitida por ratos. A epidemia foi em menor escala do que a anterior de peste Negra que atingiu a Europa entre 1347 e 1353, mas é designada como "grande peste" porque foi uma das últimas a espalhar-se pela Europa.

Curiosidade – Diz-se que Newton terá criado a sua lei da gravidade durante a quarentena da peste bubónica.
Entre 1665 e 1667, durante o tempo em que a universidade esteve fechada, em consequência de uma epidemia de peste bubónica, Isaac Newton teve que voltar para a sua casa. Nesse período, fez descobertas muito importantes para a ciência.

Um Diário do Ano da Peste”, de Daniel Defoe, é uma reportagem sobre a epidemia de peste bubónica em Londres.  Há no livro uma mistura de realidade e ficção. O autor cria personagens e diálogos que enquadram um universo novelesco, mas sem deixar de registar os factos com o olhar apaixonado de um repórter. Autor do romance “Robinson Crusoé” (1719) e de uma vasta obra, Daniel Defoe é considerado o primeiro grande romancista inglês, além de ter sido um precursor do jornalismo moderno. Morreu em 1731.

“Eu lembro-me — e enquanto escrevo essa história eu acredito que me recordo até mesmo do próprio barulho — de certa mulher que possuía uma única filha: uma jovem donzela com cerca de 19 anos de idade e que possuía uma fortuna bastante considerável. Elas eram as únicas inquilinas da casa que habitavam. A jovem mulher, a sua mãe e a empregada doméstica se ausentaram por alguma ocasião, não me lembro exatamente para que fim, e deixaram a casa destrancada. Mais ou menos após duas horas elas retornaram e a jovem senhorita queixou-se que não estava a sentir-se bem; em quinze minutos ela vomitou e teve uma dor de cabeça violenta. “Meu Deus”, dizia a sua mãe com um pavor terrível, “a minha filha não tem a doença!”. A dor na cabeça da jovem mulher aumentava, o que fez com que a sua mãe ordenasse que aquecessem a sua cama, tendo- a sua mãe colocado na sua cama e preparado o processo para que ela suasse — pois esse era o remédio comum a ser tomado quando as primeiras apreensões da enfermidade começavam. Enquanto a cama estava arejando, a mãe despiu a jovem mulher e enquanto esta se deitava na cama a sua mãe olhou para o seu corpo com uma vela e descobriu imediatamente que lá havia os sinais da peste por dentro de suas coxas. A mãe, sem conseguir conter-se, deixou cair a vela ao chão e grunhiu de uma maneira tão assustadora que poderia aterrorizar o coração mais forte do mundo. Foi apenas um grito ou um urro pois, mas o pavor arrasou as suas energias, ela primeiramente desmaiou e em seguida recuperou e correu por toda a casa: subiu e desceu as escadas como alguém distraído — pois ela realmente estava distraída — e continuou guinchando e chorando convulsivamente por várias horas, destituída de qualquer sentido ou, ao menos, sem governo dos seus sentidos; e, de acordo com o que me contaram, nunca voltou a ser completamente ela mesma. Em relação à jovem donzela, ela era um cadáver naquele momento, pois a gangrena que ocasionou as marcas tinha- se espalhado por todo o seu corpo e ela morreu em menos de duas horas. A sua mãe continuou chorando convulsivamente, sem nada saber sobre a sua filha, mesmo várias horas após a sua morte. Já passou tanto tempo que não tenho certeza, mas acredito que a mãe nunca se recuperou e morreu duas ou três semanas após esse acontecimento.”

                                                                                                    Um Diário do Ano da Peste - Daniel Defoe


1.ª ATIVIDADE
1.º Faz uma breve pesquisa  sobre a biografia do autor de Um Diário do Ano da Peste, Daniel Defoe.
2.º Identifica o tratamento utilizado na época para os primeiros sintomas desta doença, a peste.

A nova sugestão de leitura que agora se apresenta surge, na contracapa, com uma frase retirada do Livro dos Conselhos: se podes olhar, vê, se podes ver, repara. Pertence a um autor português nosso contemporâneo, o único a receber, em 1998, o Prémio Nobel da Literatura: José Saramago.

Ensaio sobre a cegueira – José Saramago
                    
    Um homem fica cego, inexplicavelmente, quando se encontra no seu carro no meio do trânsito. A cegueira alastra como «um rastilho de pólvora». Uma cegueira coletiva.
Personagens sem nome. Um mundo com as contradições da espécie humana. Não se situa em nenhum tempo específico. É um tempo que pode ser ontem, hoje ou amanhã. As ideias a virem ao de cima, sempre na escrita de Saramago. A alegoria. O poder da palavra a abrir os olhos, face ao risco de uma situação terminal generalizada. A arte da escrita ao serviço da preocupação cívica.




Assiste ao trailer do filme sobre este livro, gravado pelo realizador brasileiro Fernando Meirelles, ao qual assistiu o próprio autor, José Saramago.

https://youtu.be/XBhRE3F4Dz8


Excertos da obra      


(Assim começa o livro Ensaio sobre a cegueira, com a narração do episódio do primeiro cego. A partir daí será um contágio rápido e incontrolável.)

(Um dos primeiros casos da cegueira branca, como Saramago a idealizou, é o de um médico oftalmologista que recebeu no seu consultório o primeiro cego desta narrativa. Mais tarde , é levado para o hospital acompanhando-o a sua mulher que, para isso, teve de declarar a sua cegueira ainda que naquele momento ela fosse falsa.)


(Logo que começaram a surgir os primeiros o governo tratou de isolá-los num antigo manicómio organizado em camaratas, sem as mínimas condições de higiene e de cuidados primários como alimentação. Aos cegos que lá ficaram juntavam-se permanentemente outros, criando uma vida cada vez mais difícil de viver. Só a mulher do médico continuava a ver mas, para sua segurança, ninguém podia saber.)


O último capítulo começa assim:

(Um link onde tens cesso ao texto  integral: 

2.ª ATIVIDADE
Procura na leitura dos textos de Ensaio sobre a Cegueira, resposta às duas questões colocadas
1.º Reconhece a única personagem que se faz passar por cega e afinal vê, indicando a estratégia por ela usada para ficar com o marido.
2.º Neste livro as personagens não tem nome próprio, são cenhecidas por a sua profissão, condição social, características físicas, relações com a cegueira...
2.1.- Identifica os diferentes cegos através do nome por que são designados.
2.2. - Interpreta esta opção de não dar nome às personagens, encontrando uma razão para tal.


Curiosidade: as capas dos livros de Saramago

Muitos títulos das obras de Saramago contam com o contributo especial de grandes figuras da cultura portuguesa com as suas caligrafias. 
Esboça um breve apontamento sobre a figura que assinou Ensaio sobre a Cegueira.


A Viagem do Elefante - Mário de Carvalho

A Caverna - Eduardo Lourenço

A Noite - Armando Baptista-Bastos

As Pequenas Memórias - Gonçalo M. Tavares

Ensaio sobre a Lucidez - Dulce Maria Cardoso

Manual de Pintura e Caligrafia - Júlio Pomar

O Homem duplicado - Lídia Jorge

As Intermitências da Morte - Valter Hugo Mãe

História do Cerco de Lisboa - Álvaro Siza Vieira

Os Apontamentos - Maria do Céu Guerra

Levantado do Chão - Mia Couto

Poemas Possíveis - Almeida Faria

Provavelmente Alegria - Nuno Júdice

Que farei com este livro? - Carlos do Carmo

Ensaio sobre a Cegueira - Chico Buarque





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